A fisioterapia musculo-esquelética vem evoluindo numa velocidade estonteante e a cada momento novas técnicas de condicionamento, prevenção e reabilitação tem sua eficácia comprovada cientificamente. O conhecimento da existência de tais técnicas é fundamental na hora de discutir junto ao seu fisioterapeuta, educador físico ou médico ortopedista, o caminho a tomar diante de uma lesão.

Aqui no FisioTrend você encontra numa linguagem menos técnica e mais acessível, as últimas tendências no campo da fisioterapia musculo-esquelética publicadas nos principais periódicos científicos nacionais e estrangeiros.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Luxação Acrômio-clavicular

Como primeiro estudo de caso escolhi uma lesão que sofri no ombro direito no início deste ano. Quando estava saindo do mar, uma onda projetou meu corpo de tal forma, que caí sobre o meu ombro, rompendo a articulação que liga a clavícula ao acrômio, uma estrutura óssea localizada na parte superior do ombro. Após pesquisar o assunto na literatura especilizada descobri que esta de lesão é muito comum no rugby e no judô devido aos impactos que estas modalidades impõe a esta região do corpo. Descobri também que no nível de gravidade da minha lesão (grau III), a cirurgia não deve ser a primeira opção, visto que, através de um bom progama de reabilitação, ficou comprovado que a fisioterapia proporciona melhores resultados, uma recuperação mais rápida e muito menos risco de futuras complicações. Existem inúmeras técnicas cirúrgicas para esta lesão descritas na literatura, o tempo de recuperação pós operatótio é mais extenso e a necessidade de uma nova cirurgia chega a 59% num período aproximado de 3 anos, taxa que cai para 6% no caso da fisioterapia. No entanto, nas luxações mais severas a cirurgia é o caminho indicado e a medicina ortopédica no Brasil é, sem sombra de dúvida, uma das mais capacitadas do mundo.

No meu caso o acesso a estas informações fez a diferença. Optei pela fisioterapia e dois meses e meio após a lesão, estou plenamente recuperado, sem dor e de volta a minha atividade esportiva, a canoagem havaiana, cujos movimentos exigem demais a articulação acrômio-clavicular.

A seguir explico o mecanismo de lesão e as diferenças entre os resultados proporcionados pela cirurgia e fisioterapia. Também detalho a conduta fisioterapeutica que eu segui baseado em diversos protocolos, aproveitando o melhor de cada um deles. Importante lembrar ser imprecindível que, independente da conduta adotada, esta deve ser indicada e acompanhada por um médico ortopedista ou fisioterapeuta. De preferência pelos dois, pois quando o caso é discutido por uma equipe multidisciplinar, diferentes pontos de vista e conhecimentos são abordados, enriquecendo bastante a decisão final. Mas essa é uma discussão que fica para outro post.





A articulação acrômio-clavicular é formada pela união da extremidade lateral da clavícula com o acrômio, uma estrutura óssea da escápula que se projeta sobre a região superior ombro. A estrutura que reforça essa articulação é composta pela cápsula articular e os ligamentos acrômio-claviculares, que fixam a clavícula ao acrômio e os ligamentos córaco-claviculares, que limitam a elevação da clavícula.

A luxação acrômio-clavicular ocorre quando há a perda de contato entre o acrômio e a clavícula e é geralmente provocada por uma queda ou choque sobre a parte superior e lateral do ombro. Com a força do impacto, o acrômio é deslocado contra a clavícula, sobrecarregando tanto a cápsula articular e os ligamentos acrômio-claviculares, quanto os ligamentos córaco-claviculares, podendo causar o seu estiramento ou ruptura completa.





A luxação acrômio clavicular possui vários níveis de severidade e sua classificação varia de acordo extensão de estiramento e rompimento da cápsula articular e dos ligamentos, assim como o grau de deslocamento de clavícula em relação ao acrômio.

Grau I - estiramento dos ligamentos sem deslocamento da clavícula.

Grau II - ruptura total da cápsula articular e dos ligamentos acrômio-claviculares, apresentando uma elevação moderada da clavícula.

Grau III - ruptura total da cápsula articular e dos ligamentos acrômio-claviculares e córaco-claviculares, com elevação mais acentuada da clavícula.

Grau IV - ruptura total da cápsula articular e de todos ligamentos com elevação e deslocamento posterior da clavícula.

Grau V - ruptura total da cápsula e dos ligamentos, porém nesse caso também ocorre a desinserção dos músculos deltóide e trapézio.

Grau VI - ruptura total da cápsula articular e de todos ligamentos com deslocamento ântero-inferior da clavícula sob os tendões do bíceps.




Em geral não há controvérsia quanto ao fato de as lesões grau I e II serem tratadas com fisioterapia e as grau IV, V e VI, através da intervenção cirúrgica. No entanto quando se trata do grau III, como foi meu caso, as diferenças de opnião entre os médicos fica bem clara. No Brasil, em uma pesquisa realizada com 478 médicos ortopedistas acerca da conduta adotada na lesão grau III, 4,2% afirmaram optar pela cirurgia, 15,1% pela fisioterapia e para 80,7% não há uma definição, sendo a atividade esportiva e a idade, os fatores que pesam na tomada de decisão. Por outro lado, um estudo com 80 pacientes realizado pela Universidade da Califórnia demonstrou que mesmo para atletas e trabalhadores que exigem maiores esforços dessa articulação, a fisioterapia proporciona melhores resultados.

Um outro estudo analisou 1172 casos de luxação acrômio-clavicular grau III, sendo 833 intervenções cirúrgicas e 339 tratamentos fisioterapeuticos com acompanhamento dos pacientes por um período aproximado de 3 a 4 anos após a lesão. Entre os pacientes operados, 59% precisaram de uma nova cirurgia e 3% apresentaram alguma deformidade. Já entre os pacientes submetidos a fisioterapia apenas 6% precisaram ser posteriormente submetidos a uma cirurgia, por outro lado, 37% apresentaram alguma deformidade sobre o ombro. A fisioterapia também apresentou melhores resultados quanto a amplitude de movimento (95% versus 86%) e quanto a força (92% versus 87%). Conclusão: A fisioterapia possui 21% mais de chances de um bom resultado e a cirurgia possui 7.4 vezes mais chances da necessidade uma nova intervenção cirúrgica. Estes dados demonstram que no caso de uma luxação acrômio-clavicular grau III, como foi a minha, a fisioterapia pode ser a melhor opção. Discuta esses dados com seu médico ortopedista e seu fisioterapeuta e cheguem juntos a uma conclusão.A seguir detalho o programa de reabilitação que segui e me proporcionou um resultado extremamente satisfatório.

No momento da lesão, não há dor, mas é possível observar uma movimentação anormal da clavícula sob a pele. Não se empolgue... nos minutos que seguem a musculatura vai se enrijecendo e uma dor fortíssima passa a se manifestar de forma aguda a qualquer movimento do ombro. Não existe opção A ou B. Peça que alguém o conduza imediatamente para um hospital, pronto socorro ou clínica especializada. Lá a sua lesão será diagnosticada, através do histórico do mecanismo de trauma, palpação das estruturas locais e da radiografia.

A seguir detalho a conduta terapêutica que desenvolvi baseado em um protocolo de reabilitação para luxação acrômio-clavicular grau III da Western Michigan University e outro do Oxford Radcliffe Hospitals, somando a estes alguns outros exercícios que achei pertinentes. Todo processo de reabilitação deve ser indicado e acompanhado por seu médico ortopedista e ou fisioterapeuta.

1ª semana – imobilização com tipoia. Um truque é colocar uma pequena almofada dentro da tipoia entre o braço. Este repouso é importante para a cicatrização tecidual e resolução do quadro inflamatório. O analgésico (Tylex) Codeína e o anti-inflamatório (Alginac) receitados pelo ortopedista também foram fundamentais para suportar a dor. Nesta fase a terapia LASER vai potencializar esses dois processos, mas não é todo consultório que possui este equipamento, devido ao seu alto custo.

2ª semana - imobilização com tipoia. A terapia LASER continua sendo um bom aliado no processo de cicatrização. O analgésico e o anti-inflamatório foram descontinuados conforme a dor diminuía.

3ª semana - a partir da segunda semana é possível iniciar pequenas mobilizações duas vezes ao dia. Ajude com o outro braço, como se estivesse segurando um bebê, elevando o braço lesionado para frente e para o lado. Execute duas séries com dez repetições para frente e para o lado, passando para três séries conforme sinta mais segurança. Evite elevar o braço acima de 90º. O exercício deve ser indolor. Se for necessário reduza o número de repetições e ou a amplitude de movimento.

4ª semana – inicie o alongamento com bastão, para frente, para o lado e para trás. Quem faz força é o braço saudável. O braço lesionado apenas segura o bastão e é alongado passivamente. A cada dia aumente um pouco a amplitude de movimento e, se não houver dor, pode chegar aos 180º acima da cabeça. Ao atingir a amplitude máxima mantenha a posição por 20 segundos. Execute duas sessões diárias com uma séries de dez repetições para cada direção, passando para três séries conforme sinta mais segurança. Apoiado com o braço saudável sobre uma mesa inicie o trabalho de pêndulo com braço lesionado, fazendo uma circunferência durante um minuto para cada sentido.

5ª semana – continue o alongamento com bastão e o pêndulo. Inicie os exercícios isométricos sem carga (atinge a posição e mantém). Para isso, trabalhe com a bola terapêutica na posição de super-homem, asa-delta e com os braços pra trás. Faça o mesmo em pé com os braços a 90º pra frente e para os lados. Faça duas sessões ao dia com três séries de três repetições, mantendo cada posição durante 5 a 10 segundos e a cada dia vá aumentando esse tempo sempre dentro de um limiar indolor. Se houver dor reduza o tempo de isometria.

6ª semana – inicie a isometria com carga 1 Kg e termine a semana com 2 Kg. Faça duas vezes ao dia com três séries de três repetições, mantendo cada posição por 5 a 10 segundos e a cada dia vá aumentando sempre dentro de um limiar indolor. Se houver dor reduza o tempo de isometria. Faça mobilização ativa do braço sem carga três vezes ao dia com três repetições de 10 para frente e para os lados em amplitude de 180º ou dentro do seu limiar indolor. Alongamento com bastão e pêndulo antes e depois dos exercícios. A hidroterapia também é um recurso fabuloso e trás grandes resultados na estabilidade e equilíbrio durante a readaptação da musculatura, mas deve ser prescrita por um fisioterapeuta especializado na técnica.

7ª semana – inicie a isometria com 3 Kg e termine a semana com 4 Kg. Faça duas vezes ao dia com três séries de três repetições, mantendo cada posição durante 5 a 10 segundos e a cada dia vá aumentando sempre dentro de um limiar indolor. Se houver dor reduza o tempo. Faça mobilização ativa do braço 3 vezes ao dia com três repetições de 10 para frente e para os lados em amplitude de 180º. Alongamento com bastão e pêndulo antes e depois dos exercícios. Hidroterapia.

8ª semana – inicie os exercícios isotônicos (atinge a posição e retorna sem intervalo entre as repetições) nas mesmas posições da isometria. Comece com 1 Kg duas vezes ao dia com três séries de cinco repetições em cada posição. Vá aumentando o peso e o número de repetições sempre dentro de um limiar indolor. Se tudo estiver bem, você pode terminar a semana com 3 Kg duas vezes ao dia com três séries de cinco a 10 repetições. Hidroterapia.

9ª semana - exercícios isotônicos nas mesmas posições. Utilize 4 Kg duas vezes ao dia com três séries de oito repetições. Inicie os trabalhos diagonais com o braço para frente e para trás com três séries de dez repetições num peso que esteja dentro do limiar indolor. Hidroterapia.

10ª semana - exercícios isotônicos nas mesmas posições. Utilize 5 Kg duas vezes ao dia com três séries de 10 repetições. Trabalhos diagonais com o braço para frente e para trás com três séries de dez repetições num peso que esteja dentro do limiar indolor. Hidroterapia e natação.

12ª semana – reabilitado e sem dor. Prossiga com os exercícios de resistência e hipertrofia. Uma musculatura bem trabalhada vai fazer o papel estabilizador dos ligamentos que se romperam. Hidroterapia e natação.

Dicas – Execute os exrecícios sempre dentro de um limiar indolor. No entanto é normal a região ficar um pouco dolorida após os exercícios, mas não pode durar mais que trinta minutos. Se houver dor durante os exercícios ou esta durar mais que trinta minutos após a execução dos mesmos, significa que você está se machucando. A inflamação pode voltar e se tronar um processo crônico. Volte um passo atrás no protocolo.